domingo, 27 de novembro de 2011

Amor pra ninguém botar defeito


Minha mãe, falecida no final de 1.992, deixou um caderno de anotações, do qual minha irmã me deu cópia de alguns trechos. O que vai a seguir, começa com a indicação de um versículo bíblico:
II Pedro 1:15 -
Mas procurarei diligentemente que também em toda ocasião depois da minha morte tenhais lembrança destas coisas.

Então, mãe, vamos lá lembrar.
O texto (do qual preservo a grafia original) que se segue à menção do versículo é auto-explicativo e, para mim, é música:

Para abrir este caderno de rabiscos meus, quero enfeitá-lo com o maior e mais belo elogio que uma esposa já recebeu.
Alberto escreveu isto quando ia viajar para Belém em companhia dos nossos três filhos e eu ia ficar sòzinha em Santos porque estava me preparando para o concurso de ingresso no magistério.
Eles viajaram em janeiro e iam passar o meu aniversário (31/1) longe de mim.
Ele deixou este escrito na agenda colado à página do dia 31 que, por sinal, estava rasgada. Eu o encontrei antes do dia 31 porque cada dia eu folheava a agenda para ver se havia alguma providência a tomar, pois Alberto havia deixado várias instruções sôbre pagamentos, pregadores a convidar, etc.


"No meu jardim
Numa linda madrugada, eu,
de insônia perseguido,
fui vagar no meu jardim.
A lua envolvia a terra -
noite linda para mim!
Em um cantinho, abandonada,
uma pequenina planta
sustentava meiga flor.
Logo dela fui cativo -
prêso de um imenso amor!
Cultivei-a com desvêlo;
molhei-a com muitas lágrimas,
cerquei-a de muito afeto.
Ela cresceu, desdobrou-se,
perfumou os meus caminhos,
parecia desfazer-se,
acabar-se em me servir.
Eu amei-a, cultivei-a.
Ela subiu, dominou;
tornou-se a mais linda flor do jardim de minha vida.
Muitos dias se passaram -
pressuroso o tempo foi.
E agora - que linda coisa -
na haste rija e mimosa,
aparecem três botões,
são rebentos dessa flor...
serão mais três lindas flores -
lembrança do nosso amor.
Santos, 2-1-1952
ass. Alberto Augusto
Para 31-1-1952


No verso da página, está escrito:

Estes versos não têm rima, nem métrica - são apenas pensamento. São cascata e não reprêsa, irregulares em sua forma, variados, como o que nos vem de Deus e não regulares, geométricos, como o que nos vem do homem. Digo isto, não aludindo à perfeição, que seria pretensão e irreverência, e mentira, mas falo do sentimento e da espontaneidade.
E dou graças a Deus, porque ainda encontrei poesia em minha alma, depois de 17 anos de casado. Nem todos têm esta ventura.
Presente de aniversário para a minha querida esposa.
Alberto.


Na página rasgada do dia 31/1/52 estava escrito:

Êste dia marca mais uma etapa na vida de minha dileta espôsa. De certo não estarei aqui, por isso que ela estará sozinha; mas nós, seu esposo e filhos, pensaremos nela e agradeceremos efusivamente ao Senhor a espôsa e mãe que nos deu. Pediremos ao Deus eterno que lhe prolongue a existência, porque, sem ela, a nossa vida seria como esta folha dilacerada: de menos utilidade, de menos beleza, porque ela torna estas vidas mais fecundas e mais belas.
assinado: Alberto Augusto, por êle e pelos filhos


14-1-52 (na mesma agenda, respondi:)
Quero escrever, mas não posso, as lágrimas me sufocam.
Você sabe que eu não sei dizer o que sinto escrevendo, por isso queria voar até Belém para abraçá-lo muito e muito para mostrar quanto bem me fizeram êstes versos que me falam tanto à alma e ao coração.
Choro de alegria por não ter apagado a poesia do seu coração, choro de arrependimento pelas muitas vezes que podia ter aumentado essa poesia e não o fiz e pelas vezes, mesmo, que concorri para que ela se enfraquecesse.
Mas não me esqueço nunca que se aquela tão frágil plantinha não tivesse sido tão bem amparada e tão cercada de amor, não teria se tornado, como você diz, em planta rija e forte.
Mas nós dois, unidos assim e amparados pela misericórdia divina que tão pródiga tem sido para conosco, havemos de fazer do nosso lar uma árvore frondosa e resistente e os nossos filhos hão de gloriar-se de serem frutos de uma árvore assim.
Recebi o presente antes do dia porque fui folheando o calendário mais para adeante para ver se havia alguma instrução que precisasse de providências anteriores, mas foi bom, porque achei o tesouro mais cedo.
Sua espôsa agradecida.


Dizer o quê?!

3 comentários:

Adelina Braglia disse...

Boa noite, querido camarada:

eu digo: abençoados os que amam e o fruto desses amores.

Abraço grande. E comovido. E agradecido, por fazer-me lembrar das minhas árvores, que há muito se foram.

Alcely Augusto Chaves disse...

Sobre os escritos do papai e da mamãe:Mano, essas palavras nos trazem mt. saudade e emoção!!Nosso pai e nossa mãe foram um casal fora de série :só nos deixaram bons exemplos e mts. ensinamentos!!Lembro-me sp. do q/ disse à mamãe,qdo.consegui coragem p/ isso:"A sra. não pensou em casar-se de novo?"Ela me respondeu:"Até q/ apareceu,mas, eu fui mt. bem casada!"Qto. ao nosso pai,sp. o admirei:ele tanto se comunicava c/ pessoas pouco letradas,como tb. c/ pessoas cultas!Foi um escritor e poeta excepcional!Nunca vou me esquecer da letra q/ ele escreveu p/ o Hino a Jales!Até o prefeito de lá ficou espantado,sabendo q/ ele nem conhecia a cidade!Só nos deixaram boas lembranças!!

Anónimo disse...

Nossa hj falei com a Tia Lea que me falou destas cartas de amor e depois com a Tia Alcely que me falou do amor da vida dela e da falta que ele faz. Quanta inspiracao positiva nesta familia! Lindo, amei e me inspirei. Bjs Le