sábado, 17 de maio de 2008

Um poema de meu pai


No revirar velhos papéis guardados por minha tia, encontrei um poema escrito por meu pai. Está datilografado na arcaica Smith Corona dele, um dos poucos objetos que sobreviveram à minha prisão e dorme aqui em meu escritório. Talvez alguma de minhas irmãs tenha cópia desse poema. Eu o li hoje pela primeira vez. Lembro de minha mãe referir-se várias vezes a ele, mas nunca o havia saboreado.
Meu pai, nascido em Passos de Lomba, aldeia trasmontana, cedo partiu rumo ao Brasil. Teria, então, algo em torno dos 15 anos. Jamais retornou a sua terra natal. Nunca mais viu a mãe.
O poema, intitulado Mãe Querida, parece guardar em seu título uma ambigüidade. A mãe é a mãe biológica, mãe Amélia da Conceição, mas é – também – a mãe terra, a aldeia original. Não sei se a dubiedade foi proposital. Mas é evidente.


MÃE QUERIDA
[mantive a grafia original]

Alberto Augusto


É pequenina, um brinco de criança:
Tão linda jamais vi
Em serranias altas sobrepostas
A aldeia em que eu nasci

Ali há vida, há luz, prados extensos;
Riquíssimos jardins;
Campinas verdes, plurimatizadas;
Ribeiros em festins.

Um céu de anil puríssimo de estrêlas
Constantes no brilhar;
E a refletir-se em fontes cristalinas
Um pálido luar.

Vetusto casario guarnecendo
Vielas que só têm
Vestígios de mourama de outros tempos,
E curvas em vai-vem.

Há pardais, rouxinóis, há andorinhas:
Orquestra sem igual!
Bem parece viverem todo o dia
Em festa nupcial!

Os campos e os pomares enfeitados;
Grilada a cricrilar;
As searas imensas, brancacentas,
Ao vento a baloiçar.

Tal é a minha aldeia – se me lembro...
É linda para mim!...
Há muito... muito... que a deixei, chorando;
Chorando sem ter fim.

Deixei-a, sim; por lá ficou, saudosa;
E fui-me longe, além...
Também deixei a minha mãe sòzinha,
Da vida tôda o bem.

E nunca mais, oh não, tal voz ouvi
Ternuras a dizer...
Aquela face triste e desmaiada,
Não mais pude rever.

Lamento e me arrependo muitas vêzes
De um grande crime assim!
Padeço em cada hora, em cada instante,
A dor que não tem fim.

A minha mãe velhinha é todo o anseio
Meu, todo o ideal...
É todo o bem que anseio nesta vida;
Sim, ela é meu fanal.

Morando nesta terra linda e boa,
Feliz podia ser;
Mas minha alma, saudosa de outra alma,
Fugiu... quí-la rever...

Alçou em vôo de águia legendária.
Librando-se no ar,
Foi visitar a aldeia pequenina.
De lá não quis voltar!

Eu quero ir também, e não te esqueças,
Oh Deus do meu clamor.
Não te olvides de mim, que em ti confio
- Espero em teu amor.

Permite, ó Deus, consente eu veja ainda,
Mamãe querida, ali,
Por quem tanto chorei, tantas saudades
Eu sinto por aqui.

Não me deixes, Senhor, viver penando
Em tal separação;
Pois minha vida assim é um tormento
Que corta o coração.

Prossigo embalado na lembrança
- E o dia há-de chegar –
De ver-te a face imersa num sorrir
Mais doce que o luar!

Queres findar, bem sei, tua carreira;
Anseias o partir,
Mas para ver-me ainda, e abraçar-me,
Mais vida hás-de fruir.

E a aldeia pequenina e alcandorada,
Feliz há-de sentir
A ventura sem fim de duas almas
Unidas a sorrir.

Hei-de ver-te, e beijar-te muito, muito,
Dormir nos braços teus!
Hei-de sentir o teu amor profundo!
Cingir-te aos braços meus.

Não te eleves da terra, mas espera
Um beijo dêste amor.
Então demandarás o Paraíso.
Concede êste favor.


Minha avó Amélia não pôde esperar. Meu pai também se foi muito cedo.
De alguma forma, a ida dos três filhos de Alberto agora em setembro à aldeia em que ele nasceu será um reencontro dele com a mãe terra.
Por nosso intermédio.
Para minha alegria.

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