No revirar velhos papéis guardados por minha tia, encontrei um poema escrito por meu pai. Está datilografado na arcaica Smith Corona dele, um dos poucos objetos que sobreviveram à minha prisão e dorme aqui em meu escritório. Talvez alguma de minhas irmãs tenha cópia desse poema. Eu o li hoje pela primeira vez. Lembro de minha mãe referir-se várias vezes a ele, mas nunca o havia saboreado.
Meu pai, nascido em Passos de Lomba, aldeia trasmontana, cedo partiu rumo ao Brasil. Teria, então, algo em torno dos 15 anos. Jamais retornou a sua terra natal. Nunca mais viu a mãe.
O poema, intitulado Mãe Querida, parece guardar em seu título uma ambigüidade. A mãe é a mãe biológica, mãe Amélia da Conceição, mas é – também – a mãe terra, a aldeia original. Não sei se a dubiedade foi proposital. Mas é evidente.
MÃE QUERIDA
[mantive a grafia original]
Alberto Augusto
É pequenina, um brinco de criança:
Tão linda jamais vi
Em serranias altas sobrepostas
A aldeia em que eu nasci
Ali há vida, há luz, prados extensos;
Riquíssimos jardins;
Campinas verdes, plurimatizadas;
Ribeiros em festins.
Um céu de anil puríssimo de estrêlas
Constantes no brilhar;
E a refletir-se em fontes cristalinas
Um pálido luar.
Vetusto casario guarnecendo
Vielas que só têm
Vestígios de mourama de outros tempos,
E curvas em vai-vem.
Há pardais, rouxinóis, há andorinhas:
Orquestra sem igual!
Bem parece viverem todo o dia
Em festa nupcial!
Os campos e os pomares enfeitados;
Grilada a cricrilar;
As searas imensas, brancacentas,
Ao vento a baloiçar.
Tal é a minha aldeia – se me lembro...
É linda para mim!...
Há muito... muito... que a deixei, chorando;
Chorando sem ter fim.
Deixei-a, sim; por lá ficou, saudosa;
E fui-me longe, além...
Também deixei a minha mãe sòzinha,
Da vida tôda o bem.
E nunca mais, oh não, tal voz ouvi
Ternuras a dizer...
Aquela face triste e desmaiada,
Não mais pude rever.
Lamento e me arrependo muitas vêzes
De um grande crime assim!
Padeço em cada hora, em cada instante,
A dor que não tem fim.
A minha mãe velhinha é todo o anseio
Meu, todo o ideal...
É todo o bem que anseio nesta vida;
Sim, ela é meu fanal.
Morando nesta terra linda e boa,
Feliz podia ser;
Mas minha alma, saudosa de outra alma,
Fugiu... quí-la rever...
Alçou em vôo de águia legendária.
Librando-se no ar,
Foi visitar a aldeia pequenina.
De lá não quis voltar!
Eu quero ir também, e não te esqueças,
Oh Deus do meu clamor.
Não te olvides de mim, que em ti confio
- Espero em teu amor.
Permite, ó Deus, consente eu veja ainda,
Mamãe querida, ali,
Por quem tanto chorei, tantas saudades
Eu sinto por aqui.
Não me deixes, Senhor, viver penando
Em tal separação;
Pois minha vida assim é um tormento
Que corta o coração.
Prossigo embalado na lembrança
- E o dia há-de chegar –
De ver-te a face imersa num sorrir
Mais doce que o luar!
Queres findar, bem sei, tua carreira;
Anseias o partir,
Mas para ver-me ainda, e abraçar-me,
Mais vida hás-de fruir.
E a aldeia pequenina e alcandorada,
Feliz há-de sentir
A ventura sem fim de duas almas
Unidas a sorrir.
Hei-de ver-te, e beijar-te muito, muito,
Dormir nos braços teus!
Hei-de sentir o teu amor profundo!
Cingir-te aos braços meus.
Não te eleves da terra, mas espera
Um beijo dêste amor.
Então demandarás o Paraíso.
Concede êste favor.
Minha avó Amélia não pôde esperar. Meu pai também se foi muito cedo.
De alguma forma, a ida dos três filhos de Alberto agora em setembro à aldeia em que ele nasceu será um reencontro dele com a mãe terra.
Por nosso intermédio.
Para minha alegria.
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