quinta-feira, 27 de março de 2008

Um domingo na Igreja


Lá pelos idos de 1.995, Nelson Motta resolveu mostrar o coral da Igreja Baptista Mount Moriah, no Harlem, aos brasileiros. Sua intenção talvez tenha sido a melhor possível. O diabo é que ele contribuiu fortemente para avacalhar com a Igreja. Transformou-a em ponto turístico para brasileiros. O resto dá pra imaginar.
Produziu um CD, Harlem Sunday, com dez músicas do coral e trouxe o coral ao Brasil umas quatro vezes. Em duas delas eu estive presente.
Por não dispor de outra referência de igreja na qual pudesse ouvir música desse gênero, resolvi ir mesmo à Mount Moriah.


Sou ateu mas respeito a crença dos outros (apesar de serem raríssimos os crentes que respeitam minha descrença). Como sei que o culto de domingo em uma igreja baptista é cerimonioso, me enfiei em um paletó-e-gravata, a Baixinha caprichou na roupa e lá fomos nós. Procuramos chegar cedo. Em seu livro Nova York é aqui (Editora Objetiva), Nelson Motta explica que, apesar de o culto começar às 11 horas, os turistas fazem fila na porta da Igreja. Não chegar cedo poderia significar não conseguir entrar.
Talvez porque a moda já tenha passado, talvez por ser final de inverno, não havia ninguém lá quando chegamos, antes das 10 da manhã.
Aproveitamos para fotografar a fachada da Igreja, já que durante o culto não seria possível bater fotos.



Demos umas voltas pelos quarteirões próximos (a Igreja fica na Quinta Avenida, quase esquina com a rua 126). O bairro é simpático, parecido com tudo o mais que vimos em New York. A gente só estranha o fato de todo mundo ser negro. Não existe isso aqui no Brasil. Aqui há lugares de forte predominância negra. Lá, não. Todo mundo é negro.


Perto da Mount Moriah, uma Igreja Episcopal (na própria Quinta Avenida):


É mais caprichada. Os episcopais sempre me pareceram mais sofisticados que os baptistas. Prefiro os últimos. Questão de gosto.

Quinze pras onze entramos. Já havia um grupo de uns vinte turistas, todos bichos de goiaba. Ou seja, brancos. Haviam sentado na ala central, ao fundo.
Preferimos sentar na ala da direita, um pouco mais à frente.
No salão de culto, dos membros da igreja apenas umas seis mulheres, um rapaz e um senhor, todos do coral, um camarada ainda relativamente jovem e meio apertado dentro do terno, com cara de pastor, o baterista, um garoto prodígio de uns nove, dez anos na percussão e o maestro, Daniel Damen (salvo engano). Fiéis, sentados na platéia, nada.
Onze horas, começa o culto. O maestro toca o órgão, o pequeno coral canta, o menino prodígio substitui o baterista. Cantam algumas músicas, por exemplo, I’m blessed (que consta do CD).
Depois o rapaz-com-cara-de-pastor começa um sermão para os turistas. Fala e canta, à capela. Durante uma meia hora.
Chegam mais turistas. Provavelmente todos brasileiros. Vão lá pra frente. Muito à vontade, como se estivessem na praia. Aliás, pelas roupas, é onde deveriam estar.
O coral canta mais. Crianças passam com bandejas pedindo mais dinheiro (a entrada já custara 3 dólares por cabeça).
O pastor da igreja chega e assume o púlpito, todo paramentado. Fala pouco. Deixa o protagonismo com o maestro e o minúsculo coral (três sopranos, três contraltos, um tenor, um baixo).
Lá pelo meio dia, meio dia e pouco, os turistas – seguindo seus guias – começam a levantar e a sair. Despudoradamente. É assim. Afinal, turista não tem compromisso com nada, apenas com a agência de viagens.
Quando percorro a nave do templo com o olhar, só há negros. Mais a Baixinha e eu.
Logo tudo fica claro. Vai começar o culto. Os turistas já se foram.
Os diáconos vão para junto do púlpito.
O órgão começa a soar.
As senhoras, quase todas de chapéu, batem palmas. Uma delas trouxe seu pandeiro. E batuca.
O coral se amplia. O baterista reassume seu lugar e devolve o menino prodígio para a percussão.
O som se eleva. A alma vai junto.
Muita música. Muita alegria. Adoração.
O pastor dirige-se ao púlpito, fala durante alguns instantes e deixa que o maestro reassuma o comando.
O maestro começa a tocar. Em seguida, a cantar.
São uns quinze minutos de solo.
A emoção cresce. O solo é deslumbrante.
Tento segurar o choro. Pior. Ele vem com força, intenso.
Olho de esguelha pra Baixinha. Ela enxuga as lágrimas que teimam em não acabar mais.
Poucas emoções em minha vida foram tão intensas quanto à que vivi durante esses quinze minutos de solo. De lamento cantado. De enlevo e sublimação.

Termina o canto do maestro. A Baixinha e eu procuramos nos recompor. O coral recomeça. Os diáconos dançam e se movimentam de um lado a outro. Um deles se aproxima e pergunta se gostaríamos de almoçar com eles.
Problema: é claro que eles estão pensando que somos de alguma igreja baptista. Já pensou, chegar no almoço e ter de explicar que não, não somos crentes.
(Ah, se minha mãe estivesse lá. Abraçaria aquelas negras de chapéus, aqueles negros de ternos elegantes, suas irmãs e seus irmãos em Cristo. Chorariam juntos, sem razão. E conversariam na língua dos salvos.)
Agradeço o convite. Mas alego ter de ir embora logo.
Pouco depois, uma cena que não consegui entender. O pastor pega seu celular, finge discar um número. Quase todos se aproximam do púlpito, portando seus celulares. Todos fingem falar neles.
O Pastor desce do púlpito e caminha para a saída. Pára junto a uma cadeira vazia, deposita o celular aberto sobre a poltrona, ajoelha-se e começa uma oração. Os demais, lá na frente, continuam fingindo falar ao celular.
Terminada a oração, o Pastor recolhe seu celular, enfia-o no bolso e volta para o púlpito. Todos guardam seus respectivos telefones e a vida continua.
Adoraria saber o que isso significa.
Ficamos até o momento da ceia. Quando ela ia ser servida pelos diáconos, pedimos licença e fomos embora.
Com a alma em delírio.

Um delicioso peixe, em um bistrô do Upper East Side nos devolveu às preocupações do corpo.

2 comentários:

sandraluia@hotmail.com disse...

Quero falar com a pessoas de lá que fale um pouco português que seja membro desta igeija

sandraluia@hotmail.com disse...

boa noite quero muito falar com membro desta igreja halem mount moriah