segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Coisas de Espanha


Há pouco tempo, renovamos – a Baixinha e eu – nossas Carteiras de Habilitação Internacional. Estranhamos o fato de as duas virem compostas por formulários diferentes. Como foram obtidas em lugares distintos, não demos a isso maior importância.
Isso foi antes de irmos a Portugal. Como sempre, não fomos abordados por policiais nem agentes de trânsito em lugar algum.
Sexta, 24, partimos de Bragança para Madrid. Ao tentar chegar ao hotel, descobri que uma conversão à esquerda, que antes era permitida, agora fora proibida. Comecei a dar voltas e voltas para tentar chegar ao hotel por outro caminho. Em meio a essas tentativas quase entro em uma rua de mão contrária à direção em que íamos. Dois agentes de trânsito, com seus coletes amarelos, mandaram que parássemos.
Começou a ladainha:
- Documentos.
Quem conduzia o carro era eu, mas as Carteiras - minha e da Baixinha - estavam ambas guardadas no mesmo plástico e foram parar nas mãos dos eficientes agentes.
Disse-me um deles:
- Sua Carteira está correta. Mas a de sua mulher não é válida.
Não dei – a princípio – importância maior àquilo. Afinal, ela não estava dirigindo o veículo.
Mas, como aprendi com meu mestre Newton da Costa, não há uma lógica. Há várias. A rigor, infinitas. Bom, não exageremos: digamos que há tantas lógicas quanto chineses.
- Vamos ter de reter a Carteira de sua mulher.
- !?!? (procurei dar sotaque espanhol a essa perplexidade)
- Então, forneça-me ao menos um termo de retenção do documento. Ou indique-nos em que local podemos solicitar sua devolução.
- Não. Apenas vamos ficar com ele. Um documento inválido pode ser mal utilizado.
Claro que disseram isso porque não conhecem a Baixinha. A dita cuja postou-se ao lado do agente que segurava sua Carteira e sentenciou:
- Sem meu documento não saio daqui.
Sai não sai, retém não retém, a Baixinha propôs uma saída para o dilema:
- Pelo menos rasurem todos os meus dados.
O agente topou.
Armou-se de uma caneta e começou a rabiscar tudo.
A Baixinha fazia o papel de crítica de arte:
- Aqui. Rabisque mais aqui. Isso. Um pouco mais. Bom. Bom.
Feitas as pazes com os nobres defensores da lei, até nos ensinaram o caminho ao hotel. Que – diga-se – incluía a conversão à esquerda proibida. E que eu evitara. Dessa vez virei à esquerda. Afinal, orientados estávamos por zelosos servidores da ordem pública.
No hotel, perguntamos se tudo isso fazia parte da ordem natural das coisas, em Espanha.
Não. Não parecia ser muito adequado, o comportamento dos agentes. Procurem a Polícia.
É pra já.
Já na delegacia, os policiais também estranharam tudo aquilo.
Munido de um mapa de Madrid, consegui localizar a praça em que fomos parados. O policial nos pediu que esperássemos um pouco.
Vinte minutos depois – AhAh – lá vêm os dois zelosos agentes do Bem em suas bicicletas, chamados que foram a apresentar suas razões na delegacia de Polícia.
Explicaram que acharam tudo muito estranho: eu, por exemplo, no afã de satisfazê-los em sua ânsia por documentos, lhes mostrara meus passaportes brasileiro e português, meu RG brasileiro, meu BI português. Muito documento. Tudo muy sospechoso.
E foi pra lá de franco: se fosse um casal jovem, chamariam a Polícia e nós seríamos presos (e mostrava as mãos unidas pelas algemas). Mas, dada nossa aparência, intuíram tratar-se de gente boa. Só um pouco exagerada em matéria de documentos.
Resumo: ficamos sem a Carteira da Baixinha e fomos chamados de velhos.
Mas os guapos agentes da Lei vão pensar três vezes antes de perturbarem a paz de velhinhos brasileños.
Devem perguntar-se, até agora, como foram localizados se foram eles a nos ensinarem o caminho.

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