domingo, 7 de março de 2004

Saber fazer para não fazer


Paulo Francis nasceu em 1.930. Freqüentou escolas durante as décadas de 40 e 50. Sua rebeldia em relação aos padrões literários dessa época nos rendeu uma escrita propositalmente elaborada para parecer simples. Em "O afeto que se encerra" (1.980) ele fala sobre isso:
( ...) boa parte da ilegibilidade da literatura e imprensa brasileiras se deve ao asneirol filológico ensinado nas escolas. "Custa-me crer" é a vovozinha. Rubem Braga ou Millôr Fernandes valem "n" Aurélios. Escrever é organizar intelectualmente, parafrasear a linguagem viva do povo. Ou fazer algo próprio, à la Guimarães Rosa. Entupiam-nos de regras hieroglíficas, de construções artificiais, de jargão acadêmico. E esse absurdo supremo, negando qualquer conversa normal, de não misturar a segunda e a terceira pessoas pronominais. "Brasil, ame-o ou deixe-o" resume minha crítica. Duvido que até general fale assim. "Tá fedendo, te manda", é o que eles queriam dizer.

Hoje, quando as escolas já não entopem mais ninguém com regras - hieroglíficas ou não - vale a pena completar o texto do Francis com um lembrete do Millôr (já não me lembro publicado onde...):
Só acredito em iconoclasta que sabe fazer estátua.
A rebeldia só é possível quando se conhece o padrão. Se não, é ignorância mesmo.

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