quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Antroponímia – do patriotismo pueril ao indigenismo burgesso


Além do Aedes Aegypti, há outra praga que assola o Brasil: a mania de meter nos nomes próprios termos como Kaiowá, Guarani-Kaiowá etc etc.
Ainda bem que o fenômeno se restringe – até onde sei – ao Facebook.

Um curioso trabalho do historiador Helio Vianna (1.908-1.972), publicado no Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, a 23/11/1962, dá inúmeros exemplos de algo semelhante acontecido logo após a independência do Brasil, anos 1822 a 1824.
Muitos brasileiros abandonaram seus sobrenomes de origem lusitana para adotar outros pretensamente “nativos”.
Alguns exemplos:
No Rio de Janeiro:
Além dos nomes, hoje diríamos nacionalistas, que publicamente se adotaram, outros permaneceram secretos na Maçonaria e na carbonária Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz, o Apostolado carioca de 1822/1823. Assim, se naquela foi o Príncipe Regente, depois Imperador D. Pedro I, astecamente cognominado Goutimozim (sic), na segunda coube essa designação indo-mexicana (Guatimosin) ao Ministro da Fazenda, Martim Francisco Ribeiro de Andrada.
Seus irmãos, José Bonifácio de Andrada e Silva, “Cônsul” do Apostolado, e Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, “Apóstolo”, foram, brasílica e britanicamente, Teberiça (sic) e Falkland, respectivamente. D. Pedro, “Arconte-rei”, romanamente começou como Rêmolo, nome logo corrigido para Rômulo.
Na Bahia:
No jornal O Independente Constitucional, a partir de 1º de março de 1823 publicado na vila da Cachoeira, redigido pelo famoso bacharel Francisco Gomes Brandão Montezuma, futuro senador do Império e Visconde de Jequitinhonha, registraram-se aquelas mudanças de nomes. (…) seu próprio redator declarou que dali por diante seria seu nome Francisco Gê Acaiaba de Montezuma, curiosa aproximação do prenome português a sobrenomes respectivamente tapuia, tupi e asteca. (…)
(…) Manuel José Milagres, transformado em Manuel José Olandim.
(…) Sobrenomes idênticos a nomes de cidades portuguesas foram especialmente rejeitados pelos nacionalistas baianos de 1823.
(…) Manuel da Silva e Sousa Coimbra passou a Manuel da Silva Caraí; Inácio Joaquim Pitombo Lisboa abandonou a lembrança da capital lusitana; outro Lisboa passou a Antônio Cosme Baiense, José Luís Valença trocou-a por Baitinga. (…)
“Até portadores de antigos e fidalgos sobrenomes, vindos do século XVI, trocaram-nos por outros, aparentemente mais brasileiros. Foi o que aconteceu a José Garcia Cavalcanti de Albuquerque Aragão, que passou a ser José Cavalcanti d'Caramuru (sic) Imbiara. Ou Francisco da Cunha Nabuco de Araújo, transformado em Francisco Cambuí de Itapagipe. (…) Não ficaria esquecido o rio Paraguaçu, por José Pedro Alexandrino de Morais, depois José Pedro Paraguaçu. Topônimo mais longínquo adotou Caetano Pascoal dos Santos, transformado em Caetano de Araújo Mato Grosso. (…)
Reminiscência africana apareceu no novo nome do Padre Manuel José de Freitas, Manuel Dendê Bus. (…)

E muito mais em Pernambuco e Ceará revolucionários de 1824, a confirmar a suspeita de que o festival de besteiras que assola o Brasil tem raízes antigas.


(trechos extraídos de Helio Vianna, Vultos do Império, Companhia Editora Nacional, 1968)

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