quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Dia do Arquiteto

Corria o ano da graça de 1.974. Minha mulher e eu, que planeávamos ter filhos (a mais velha nasceu ao fim de 1.975), começámos a pensar em ter uma casa na qual pudéssemos educar os filhos da maneira como imaginávamos
Queríamos educar os filhos em casa, sem enviá-los à escola. Eu já desenvolvia os primeiros cursos que daríamos a eles...
Comprámos um belo terreno em Cotia, São Paulo, e procurei um arquiteto que projetasse uma casa para o terreno, a obedecer nossos critérios de como conviver em família.
Um colega de trabalho me disse que conhecia dois arquitetos arrojados, que poderiam ser úteis.
Levou-me, em um início de noite ao final do trabalho, à casa deles.
Era uma casa no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Eu estava de terno, pois fui direto do trabalho para a casa dos arquitetos.
Ao lá chegar, guiado por meu colega, fomos convidados a entrar. A casa estava mergulhada em uma névoa muito característica: era resultado de alto consumo de maconha, com seu cheiro inconfundível.
Os dois arquitetos nos receberam de modo simpático e começámos a conversar sobre o projeto.
Eles, mais do que ouvirem o que eu dizia, apegaram-se à imagem de um executivo trajado de modo formal.

Dias depois, foram à minha casa expor as ideias que haviam desenvolvido para nossa futura casa.
Haviam concebido uma habitação absolutamente convencional, adequada ao que eles imaginavam ser um executivo careta.

Passei-lhes uma descompostura. Eu lhes falara de planos heterodoxos e eles nos traziam um desenho banal?
Repeti, agora com mais ênfase, toda nossa proposta de vida. Proposta que deveria refletir-se no projeto da casa.
Espicaçados pelo desafio, voltaram no dia seguinte. Não haviam dormido aquela noite.
Trouxeram-nos um projeto fantástico, de acordo com nossa proposta de vida.
Em lugar de sala de estar, uma Ágora. Ao lado dela uma biblioteca.
Quartos todos separados por divisórias baixas. Banheiros sem portas (o que deixou em pânico nossas famílias. Não percebiam que a geometria dos ambientes oferecia privacidade mesmo sem portas...).

Aprovámos o projeto entusiasticamente.

Daí em diante os arquitetos é que quiseram radicalizar mais: queriam que fôssemos todos morar no terreno e ajudar na construção da casa.
Por outro lado, o projeto de educar os filhos fora da escola começou a ser bombardeado de todos os lados. Nossos amigos não eram simplesmente contra.. Ficavam raivosos diante da ideia.
Para um casal que acabara de passar por um período de prisão por afrontar a sociedade (sim, a ditadura era só expressão dessa sociedade) tudo isso pareceu suplantar nossas resistências.
Desistimos do projeto educacional. Nossos filhos, feliz ou infelizmente, foram para a escola pública.
Desistimos do projeto habitacional. Os arquitetos só nos deram prejuízo: montaram um escritório em imóvel alugado com meu aval. Sumiram em seguida e me deixaram encarregado de pagar três meses de aluguel para me livrar daquilo.

O terreno de Cotia transformou-se em um mico, meus filhos seguiram o curso normal de suas vidas, a estudar em escolas e a fazer nelas amizades que persistem até hoje.

Quanto aos dois arquitetos que contratei, espero que tenham longa vida e que tenham dado boas gargalhadas às custas do executivo sonhador que os sustentou - e a seus baseados - durante alguns meses.

Viva o Dia do Arquiteto!


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