domingo, 8 de dezembro de 2013

Consolo e Verdade

Alberto Gonçalves, na revista Sábado da semana passada, a propósito de outro contexto, diz: "[...]Os tementes a Deus desesperados por emprestar um sentido para o encantador absurdo da dimensão humana, [veem] a si próprios como esclarecidos no meio de ingênuos".

Meu primo Wanderley colocou no Facebook, há alguns dias, um vídeo com um discurso de um líder espírita, Divaldo Franco, proferido há 15 anos. Para quem quiser vê-lo, basta clicar aqui.
O objetivo declarado da palestra é o de mostrar que a reencarnação é mencionada em vários lugares da Bíblia. E, com isso, derrubar as objeções dos cristãos que não aceitam a ideia de reencarnação por entenderem que a Bíblia não a endossa. Mas o sr. Franco vai mais além e faz uma completa apologia da reencarnação.

Quanto às alegadas menções à reencarnação na Bíblia, o conferencista chega a dar uma explicação a uma afirmação de Jesus que sempre causa embaraços aos crentes. Trata-se da afirmação de Jesus de que seu retorno "numa nuvem, com poder e grande glória" ocorreria logo: "não passará esta geração até que tudo aconteça". (Lucas 21: 27 e 32). Essa afirmação de Jesus é tanto mais embaraçosa por repetir-se em três dos evangelhos canônicos (Mateus 24:34 e Marcos 13:30, além do já citado Lucas).
Pois bem. Divaldo Franco não é de se deixar apertar por dificuldades desse tipo. Para ele, Jesus não se referia à existência de seus discípulos naquele momento, mas na vida dos espíritos deles. Se as previsões escatológicas de Jesus não se cumpriram até os dias de hoje é porque aqueles discípulos continuam a se reencarnar, a gerar sucessivas existências até que - enfim - chegue o Juízo Final. Haja imaginação!

Aliás, a grande virtude da teoria das reencarnações (que, diga-se, não é apenas apanágio dos espíritas. A versão espírita é mais simples e - por isso - atrai mais adeptos. Mas há versões mais sofisticadas, como, por exemplo, a da Antroposofia), a grande virtude, dizia, é a de explicar muita coisa que sem ela ficaria sem explicação.
Entenda-se explicação, aqui, como versão dos factos que dá sentido ao que parecia absurdo ou injusto.

O próprio Divaldo Franco, em sua palestra, dá alguns exemplos. Um deles: o indivíduo que descobre ter um cancro (câncer, no Brasil) e se pergunta: Por que eu? E Divaldo, a brandir sua teoria da reencarnação, corrige: E por que não eu?

Conheço um caso que ilustra essa questão. Um dos filhos de Evangelista, o famoso ponta esquerda da linha dos cem gols do Santos F.C. da década de 30, teve um filho com severos problemas mentais e motores. Tanto Evangelista como quase toda a família eram membros da Primeira Igreja Batista de Santos. Há alguns anos, soube que esse filho de Evangelista e sua mulher haviam se tornado espíritas. Motivo: o Espiritismo lhes dava sentido a tudo que já haviam vivido.

Como toda religiosidade tem ligação com a ideia de consolo, o Espiritismo oferece uma alternativa das mais atraentes. Ao menos para os brasileiros. Na França, berço do fundador da seita, o Espiritismo não faz o mesmo sucesso. Talvez porque, lá, não haja tanta necessidade de consolo...

Apenas me incomoda a tentativa dos espíritas de utilizarem-se da Ciência para buscar validar suas teorias. Se o terreno das religiões é o consolo, o da ciência é o da busca da Verdade.

E a ciência prefere a ignorância à ilusão de saber.

É preferível a ignorância a um avatar de conhecimento.

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