quarta-feira, 2 de abril de 2008
As alegrias e confusões da quarta-feira
Na quarta-feira, 19 de março, combinamos uma visita ao sogro de meu filho. Ele está sozinho, atualmente, vivendo em New Jersey.
New Jersey é formado por cidades pequenas, todas emendadas umas às outras. Ele mora em South River mas vai-se de trem até New Brunswick. Ao contrário de minha filha, moradora de Westport, mais ao norte, o sogro de meu filho mora mais ao sul de Manhattan. A distância de Manhattan até lá é mais ou menos a mesma que até Westport: pouco menos de uma hora, de trem.
Marcamos um jantar. Ele nos orientou para pegar o trem na Penn Station, na rua 33. Minha filha não pôde ajudar muito porque não conhece bem essa estação. Fomos até lá, erramos um bocado mas acabamos conseguindo entrar no trem para New Brunswick, munidos de bilhetes ida-e-volta. Saímos da Penn Station um pouco antes das cinco da tarde e chegamos ao destino pouco depois das cinco e meia.
O sogro de meu filho nos esperava e nos levou em seu carro até sua casa. Apartamento de solteiro mas espaçoso e até que quase nada bagunçado. Trata-se de um sobrado que o dono dividiu em cinco apartamentos. Ele aluga um dos dois apartamentos no andar térreo. Cozinha, banheiro, quarto grande e sala enorme. Na sala, TV gigantesca, som envolvente, computador de última geração. Em suma, o sogrão vive bem. Tomamos um uísque enquanto púnhamos a conversa em dia.
Lá pelas sete e meia, oito, fomos a pé até um restaurante português junto à casa dele e jantamos costeletas de porco regadas a vinho do Alentejo.
Depois de muito papo, levou-nos até a estação para nosso retorno a New York.
A conversa prolongou-se por quase mais uma hora. O trem demorou a chegar. Seria o último?
Despedimo-nos. E a alegria terminou aí.
Já acomodados no trem, a Baixinha pegou no sono. Quanto a mim, baixei a guarda. Afinal, voltar para cidade grande é sempre mais fácil do que ir da grande pra pequena.
O trem parava em algumas estações pequenas. Quando o relógio já indicava que devíamos estar para chegar à Penn Station da rua 33, o trem entrou em uma grande estação e eu pensei: chegamos.
Por via das dúvidas, ainda perguntei a um senhor que se apressava para descer:
- Penn Station?
E ele:
- Penn Station!
Descemos.
Começamos a andar pela plataforma. A Baixinha observou:
- Por que ficaram tantas pessoas no trem. Não é o ponto final?!
Não. Não era. Mas, a essa altura, o trem já partia.
Só aí começamos a descoberta de que havíamos descido na Penn Station de Newark. Não na Penn Station de New York.
Paciência.
Uma dupla de policiais patrulhava a plataforma. Perguntei a um deles como fazer pra comprar bilhetes para New York.
- Logo ali, nas máquinas.
Fomos até elas. A que ocupei oferecia bilhetes simples, para uma semana, para um mês. Comprei dois simples.
Haveria outro trem?!?
A TV informava: sim. O próximo trem passaria às 12:47. Eram 12:10.
Para enfrentar essa espera, resolvemos entrar na sala existente no meio da plataforma, com bancos longitudinais. A Baixinha sentou-se. Fiquei em pé, em frente a ela. Já ficara sentado tempo demais no trem. Um pouco pra minha esquerda, no mesmo banco, um crioulo enorme dormia, estirado.
Logo a Baixinha sugeriu:
- Vamos sentar mais para lá.
Percebi que alguma coisa não corria bem, ali onde estávamos.
Deslocamo-nos para mais perto do dorminhoco. Olhei o mais disfarçadamente que pude para o banco do lado oposto ao nosso e percebi: um indivíduo já um tanto idoso, dentro de um paletó daqueles de mendigo, sebo puro, calça jeans aberta, masturbava-se ostensivamente.
Três mulheres jovens, toda a pinta de prostitutas, rodavam por ali, falando alto. Uma delas, ao menos, totalmente bêbada.
Resumo: estávamos bem acompanhados.
Mais algum tempinho e voltamos à plataforma. Faltavam só uns 15 minutos pra chegada do trem.
Eu sabia que, nesses trens, se você não tiver bilhete adequado para entregar ao funcionário picotador (sim, isso ainda existe) ele vai cobrar de você a passagem, só que por um preço maior do que aquele que você pagaria no guichê da estação ou na máquina de vender bilhetes. A dupla Cosme e Damião que me dissera como comprar bilhetes havia ido embora. Foi substituída por outra dupla: um bicho de goiaba enorme, dois metros de altura, um e meio de largura e mais ou menos isso de profundidade, americano típico, enfim, um Armário. O outro, um policial com cara de mexicano, grande mas nada comparável ao Armário. Quando os vi, caminhando em nossa direção pela plataforma, estavam tentando orientar as três mulheres espalhafatosas que giravam por ali. Na plataforma toda, o único branquela, a rigor, era o Armário. Nós, como se sabe, bem como o outro policial, não somos brancos: somos latinos. O resto, negros. Parecia o Harlem.
Pensei (ah! Como seria bom não fazer isso com tanta freqüência):
Vou perguntar a eles se meus bilhetes estão corretos. Caso não estejam, ainda há tempo pra comprar os certos.
Dirigi-me ao Armário, mostrei os bilhetes:
- Quero ir para New York. Estes bilhetes estão certos?
Pra quê.
- Come with me, disse o Armário, no melhor estilo Goulart de Andrade, aquele que tinha um programa de variedades durante a madrugada, na TV, cujo bordão era “Vem comigo!”.
- Mas senhor Armário, ou melhor, senhor policial, meu trem está pra chegar nesta plataforma. Faltam poucos minutos!
- Come with me!
Sinceramente: você teria coragem de responder “Não. Não vou” ?!
Pior: dirigiu-se às três moças de vida airada:
- Come with me!
Todo sorridente.
E lá fomos, em uma macabra fila indiana: o Armário, a Baixinha, eu, o policial mexicano e as três putanas.
Desce escada, anda, sobe escada. E eu, aproveitando que o mexicano atrás de mim parecia mais acessível:
- Eu quero pegar aquela trem lá da plataforma 1!
- Pra onde você quer ir? questiona o mexicano.
- New York, quero ir pra New York!
- Mas você está em Newark!
(diabo de pronúncias parecidas)
O Armário e o Mexicano dialogam:
- Afinal, pra onde ele quer ir?!
E eu, inteferindo:
- Manhattan! Rua 33.
- Ok. Come with me!
Passamos por uma escada rolante interditada para limpeza. Um indivíduo havia desmoronado naquela lateral da escada, meio morto meio vivo (isso com boa vontade). O Armário, impávido, pergunta pro semi-vivo:
- Ok?
O semi-morto consegue balbuciar um OK. Prosseguimos com nossa fila indiana, subindo a escada não rolante. Paradíssima.
Enfim, como não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe, chegamos a outra plataforma, a plataforma H.
O Armário pede o bilhete da Baixinha.
Eu continuo balbuciando tímidos protestos:
- Mas... e o trem lá da outra plataforma?!
- Me dá o bilhete.
Calmo, o Armário nos faz passar pela catraca e nos explica:
- Vocês pegam o trem que vai chegar aqui. Andam duas estações e descem. Aí, pegam o outro trem no outro lado da plataforma e ele os levará à rua 33.
- Duas estações inclusive ou exclusive?
O Armário perde a paciência comigo pela décima vez e se afasta. Sempre que isso acontece (é que eu estou resumindo, imagina a versão integral da catástrofe) o Mexicano entra de assoprador (no melhor estilo, “um bate o outro assopra”).
Fica esclarecido que o negócio é deixar passar uma estação e descer na seguinte.
Chega o trem. Começamos a entender alguma coisa: trata-se de trem do subway, metrô (os bilhetes que eu havia comprado eram de metrô, ora, ora).
Acima de cada porta, aquele mapa esquemático, típico de metrô, com a seqüência de estações a serem percorridas. Como o trem não parece querer sair tão cedo, ficamos examinando o mapa. Lá de fora, o Armário nos observa, pra lá de impaciente.
De repente, lá vem ele. Entra no vagão e nos explica (melhor seria, nos admoesta):
- Esse mapa que vocês estão olhando é o que vale durante o dia. O que vale à noite é este outro aqui (ao lado, menor, com letras miudinhas a indicar o horário de validade)
- Thank you, thank you. (não seria possível dizer outra coisa).
Ele desce do trem, espera que este saia e nos olha, entre aliviado e orgulhoso de ter conseguido orientar latinos tão estúpidos.
Claro, as três putas vieram no pacote. E berravam sem parar, pensando que conversavam.
Quando descemos na segunda estação e nos posicionamos do outro lado da plataforma para esperar o bendito trem que nos levaria à terra prometida, melhor, à rua 33, um rapaz com cara de coreano, que não parava de falar ao celular, interrompeu suas tele-conversas para nos dizer, amavelmente, que estávamos no rumo certo. Uma outra jovem, deslumbrante, saída do nada, interrompeu sua beleza também para nos confirmar que tudo estava correto.
As moçoilas estapafúrdias sumiram.
A viagem até a rua 33 foi tranqüila. Só não tive coragem de invadir a privacidade da menina maravilhosa , que aproveitou para dormir um pouco e ficar mais linda. Gostaria de fotografá-la. Seu rosto, cor de porcelana, rodeado de cabelos negros, tornaria este post incomparavelmente mais atraente.
Às três da matina chegamos de táxi ao hotel e tomamos cognac pra relaxar e começar a entender que o Armário e o Mexicano complicaram nossa vida, com a melhor das intenções.
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