quarta-feira, 5 de junho de 2013

A tia Lúcida

Há os que gostam de afirmar:

- Jamais conheci um ateu no leito de morte.
O que a frase pretende estabelecer como verdade é que na hora de bater com as dez, de partir desta pra melhor, de bater com as botas, o ateu pede penico, entrega os pontos, desiste. Vira crente desde criancinha.
Pode acontecer muitas vezes. Afinal, ser ateu não é pra qualquer um, modéstia às favas.

Ocorre-me, se me for dada a oportunidade, vender ingressos a meu quarto de moribundo. Destarte, muitos poderão ver um ateu em seu leito de morte. E meus filhos receberão uns trocados como herança.

Aliás meu pai, pastor baptista da mais profunda convicção, que era admirador de Manuel Maria Barbosa du Bocage, consta que por ter Bocage se arrependido, nos momentos imediatamente anteriores à morte, de sua suposta vida dissoluta, pretendia dar ao primeiro filho o nome Elmano, homenagem ao pseudónimo Elmano Sadino, do mesmo Bocage.
Feliz ou infelizmente, teve uma filha e viu seu intento frustrado.

Mas o que me traz ao tema é a história de uma tia.
Na época não me interessei muito pelo sucedido. Talvez por isso invente um bocadinho.
Mas sou um tanto como Tim Maia:
- Não bebo, não fumo, não cheiro. Só minto um pouquinho.

Minha tia era mulher profundamente religiosa. Levou quase toda a vida imersa em uma igreja, pois casada com pastor.
Deixem que seja literal:  ela viveu quase sempre nos fundos do templo da igreja do marido.
Teve três filhos. Todos seguiram o pendor religioso dos pais.
Um deles, à falta de melhor emprego, exagerou um bocadinho e também tornou-se pastor.

Ouvi dizer – e isso era comentado em família com certa reserva – que em seus últimos anos minha tia deu para descrer.

Parece que de tudo.

Em família tão cristã, morreu com a discreta fama de maluca.

A meu ver, salvo melhor juízo, atingiu a lucidez.



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