quinta-feira, 11 de maio de 2006
Os projetos e a Morte
Minha relação com a Morte é um pouco como a de Sheerazade com o sultão. Fico a inventar projetos e mais projetos para distraí-la. Sempre que ela se avizinha e me sussurra:
- Já não chega? Vamo-nos.
Respondo que não, que ainda há alguns projetos que não se transformaram em realidade.
Agora, por exemplo, é o projeto de ir morar em Trás-os-Montes. Ela que espere.
E, quando lá eu estiver, já estarei cheio de novos planos, novos projetos. Ela pensa o quê.
Já tive projeto de atingir um saber total. Isso, quando era adolescente. Dotado da estupidez própria dessa fase da vida, imaginava o saber como alguma coisa cumulativa, que se ia amontoando na cabeça da gente. E dá-lhe leitura e mais leitura.
Quando alguém me disse que cultura é aquilo que fica quando a gente já esqueceu tudo que aprendeu, fiquei meio sem rumo.
Antes que Ela viesse me pegar de surpresa, parti para o projeto de transformar o mundo.
De maneira um tanto desagradável, pra dizer o mínimo, descobri que o mundo não estava interessado em meus projetos para transformá-lo. Mundo ingrato.
Se o macro não deu certo, resolvi projetar no meu micro mundo.
Desenvolvi projetos heterodoxos de como educar os filhos que eu ainda não tinha.
Quando eles chegaram, pus-me a trocar fraldas e deixei de lado meus projetos.
Por pouco tempo.
Tive projetos de livros. Tenho um amigo que até hoje não se conforma de eu não ter escrito o livro sobre Cipriano Barata, sobre o qual tanto pesquisei. Na época eu não percebia, mas minha pesquisa era mais um truque pra distraí-La.
E mais e mais projetos, sempre postergando meu encontro definitivo com Ela.
Porque a Morte é a ausência de projetos.
Ou, claro, uma falência múltipla de órgãos.
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