domingo, 12 de fevereiro de 2006
100 anos
No início do século passado, em uma aldeia do nordeste de Portugal chamada Passos, na região da Lomba, uma jovem, de nome Amélia, deixou-se encantar por um rapaz bem apessoado, de boa família. Chamava-se João. Sabe-se lá aonde e como, foram às vias de facto. Essa relação, um tanto escondida, persistiu o suficiente para gerar dois garotos. O pai, sem querer constituir família com a jovem, partiu para o Brasil. Ela, fazer o quê, registrou os meninos como seus filhos e de pai incógnito. Deu-lhes nomes compostos: Agripino Santelmo e Alberto Augusto. Naquele tempo, não se definia na certidão de nascimento o nome completo do recém nascido. Davam-se apenas os pré-nomes. Mais tarde o indivíduo comporia seu nome completo, acrescentando aos pré-nomes os sobrenomes de mãe e de pai.
O caçula, nascido a 13 de fevereiro de 1.906, desde logo mostrou independência e pensamento próprio. Quando toda a gurizada partia para o campo, pela manhã, Alberto levava às costas mochila com batatas cozidas. Os outros zombavam dele. Achavam aquilo um tanto ridículo, pelos costumes da época e do lugar. Quanto a ele, só se preocupava em que não lhe dessem tapas às costas. Pra não amassar as batatas.
Só que o garoto não queria ficar limitado à vida do campo. E queria, também, ir à procura do pai.
Aos catorze anos, conseguiu que um tio que morava no Rio de Janeiro lhe enviasse uma carta autorizando sua ida ao Brasil. Documento necessário para que ele conseguisse viajar.
E lá se foi. Só.
No Rio de Janeiro procurou o pai. Constatou que este já constituíra família no Brasil. E não quis reconhecê-lo como filho.
Sua mãe, por sua vez, casou-se na aldeia com o Zé Grande, português que vivera no Brasil, em Niterói, e cá tivera mulher e três filhos. Tendo ficado viúvo, retornou com os filhos à aldeia de origem. Com Amélia, mãe de Alberto, teve mais três filhas.
Alberto Augusto, apesar de corresponder-se com a mãe até a morte dela, optou por não utilizar-se de sobrenomes de família. Adotou o Alberto Augusto como nome completo. Augusto transformou-se em sobrenome.
Radicou-se em Santos, no estado de São Paulo, e tornou-se baptista. Mais: formou-se em Teologia e começou a viver sua vocação de pastor.
Sua intenção era a de exercer seu ministério em lugares inóspitos. Foi ser pastor em Manaus, no ano de 1.934. Sua saúde (ou a falta dela) o fez retornar a Santos. Passou a ser pastor da Primeira Igreja Baptista de Santos, cargo que exerceu durante vinte e cinco anos.
Faleceu, vítima de derrame cerebral fulminante, em 26 de junho de 1.961, aos 55 anos. A cidade guardou sua memória atribuindo seu nome a uma rua. O estado de São Paulo também deu seu nome a uma escola de ensino fundamental.
Alberto Augusto escreveu vários livros, todos de caráter religioso. Durante anos publicou – em O Jornal Baptista – uma coluna chamada Meu Bazar de Idéias. Mais tarde reuniu em livro várias de suas crônicas. Queria dar ao livro o título Idéias do Meu Bazar. A editora o publicou como Meu Bazar de Idéias, mesmo nome da coluna semanal.
Esse homem teve três filhos. Penso que não os queria ter. Parece-me que preferia dedicar-se totalmente a sua missão evangélica. Mas a esposa, que o amava infinitamente e o levava a fazer o que ela queria fingindo sempre obedecê-lo (como fazem quase todas as mulheres), teve uma filha, depois outra, e – quando tudo parecia encerrado nesse capítulo – escapou um menino, vejam só.
Foi assim que nasci. Fruto de esperteza feminina combinada com falha de planejamento familiar.
Talvez por isso mesmo, não menosprezo jamais a capacidade das mulheres de levar os homens no bico. Com todo o amor, claro. E tenho uma relação de desconfiança irônica com qualquer tipo de planejamento.
Alberto Augusto e eu. Temos muito pouco em comum. Descontado o facto de que eu não existiria se ele não tivesse cedido seus espermatozóides, sobra pouco.
Sua morte prematura me deixou a frustração de ter convivido muito pouco com ele, já na fase adulta. Se ele tivesse vivido mais, teríamos tido brigas homéricas. Mas desconfio que chegaríamos a algum acordo. Ele era bom demais pra que isso não acontecesse.
Paciência. A mim, resta a lembrança de um homem atormentado, tenso, de integridade absoluta. Inteligente e culto. Um pouco ingênuo. Mas pérola que não se encontra em qualquer concha.
Segunda-feira, agora, minha irmã (Édipo puro) vai ser operada. No centenário do pai. Isso só pode ser bom sinal. Beijinhos, mana. Papai estaria cuidando de ti, se nossas fantasias fossem realidade.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário