sexta-feira, 29 de julho de 2011
(D)evolução
Há ritos a cumprir quando se chega à reforma.
Há que se devolver a carteira funcional, o notebook, o crachá.
Pode-se ver tudo isso como rito de passagem.
Da obrigação ao prazer.
Do labor ao ócio.
É possível que tudo isso não seja devolução, mas avanço.
Que venha o futuro.
quarta-feira, 27 de julho de 2011
Reforma
Em Portugal e no Brasil os termos são muitos para denotar essa sensação de final de pagamento de longa dívida, de ter concluído o dever-de-casa: aposentação, aposentamento, aposentadoria, reforma.
Prefiro o último, não só por ser o que mais se usa em Portugal mas por trazer embutida nele a ideia de refazimento, de reconstrução.
O dia de hoje, em São Paulo, aparenta ser dia de outono. Em maio é que São Paulo costuma apresentar seus mais lindos dias: céu com poucas nuvens, muito sol, temperatura amena. Este ano esses ares outonais migraram para julho. E se tornaram cenário perfeito para o início de minha reforma.
Mãos à obra.
P.S.: O Diário Oficial da União publica, hoje, a portaria de concessão de minha reforma. Justamente no dia em que minha irmã caçula completa mais um ano de vida.
Pé quente, essa minha mana.
quinta-feira, 21 de julho de 2011
Conde de Sarzedas - 2
Os três: Fusco, Brandão e eu, estávamos sempre entre os melhores alunos do Di Tullio. Quando foi se aproximando o final do ano, o Fusco – que se apaixonara infinitamente por uma colega de curso colegial – levou o fora da dita cuja.
Passou a chorar em tempo integral.
O pior de tudo era a incongruência da situação. O Fusco era um camarada enorme, cara de mau, integrante da seleção paulista de judô. Com todo esse physique du role, ele se sentava para assistir às aulas, abria o caderno sobre a carteira e o deixava molhado pelas lágrimas que não paravam de cair sobre as páginas em branco. Páginas e cérebro em branco, diga-se. Não conseguia prestar a mínima atenção a aula alguma.
Resultado: Brandão e eu passámos no vestibular da Poli. O Fusco não.
Ano seguinte criou-se a rotina: aos sábados, dia de provinha no Di Tullio, lá íamos nós, Brandão e eu, esperar o Fusco sair do cursinho para consolá-lo e... ir comer croquetes de carne no alemão da rua Teodoro Sampaio.
Nunca mais na vida comi ou comerei croquetes iguais àqueles.
E o velho alemão nos servia, para acompanhar os croquetes, uma cerveja preta que lembrava os gênios de lâmpadas maravilhosas: a garrafa era sempre trazida à mesa com cuidado para que não fosse muito agitada. Ao abri-la, o velho apressava-se em encher nossos três copos. A pressão da cerveja era tanta que dificilmente nada se perdia sobre a mesa.
Cheguei a voltar nesse restaurante alemão alguns anos depois. O velho morrera, o restaurante era tocado pelos filhos. Os croquetes ainda eram bons, a cerveja ainda teimava em derramar-se pela mesa.
Eu é que – certamente – já não era o mesmo.
quarta-feira, 20 de julho de 2011
Conde de Sarzedas - 1
Para todos, título nobiliárquico. Para mim, rua próxima à Praça João Mendes, São Paulo, na qual reinava o Curso Di Tullio, no qual me preparei para entrar na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
Foi lá que conheci Vitorino, filho de cantora de ópera. Vez em quando cabulávamos alguma aula e íamos ouvir ópera em alguma loja de discos. Feliz ou infelizmente, ele não conseguiu elevar-me ao nível operístico.
No dia em que Di Tullio, irritado por Vitorino estar sussurrando a um aluno chamado à lousa a resposta a uma pergunta qualquer, jogou o caderno de Vitorino pela janela da sala de aula, percebi a profunda relação de afeto que havia entre os dois. Vitorino levantou-se calmamente e foi buscar seu caderno no meio da rua. Ao voltar, sentou-se e continuou a tomar notas da aula. Nossa sala, diga-se, ficava no segundo andar do prédio.
Como já contei
Se no primeiro ano convivi com Vitorino e com Imre Simon, uma das pessoas mais inteligentes que já conheci, no segundo estabeleci – junto com dois outros alunos do curso – um trio de amizade que perdurou por algumas décadas.
Éramos o Fusco, o Brandão e eu.
Francisco Brasiliense Fusco Júnior já morreu. A amizade com Brandão tornou-se fraternidade, mantida até hoje e para sempre.
Disputávamos palmo a palmo os primeiros lugares nas provinhas de sábado.
No dia a dia, gostávamos de aproveitar os intervalos entre aulas para irmos até a pastelaria dos chineses e pedir três pastéis e três Crushs (refrigerante sabor laranja). O chinês gritava para a cozinha:
- Tlês pastéis e tlês Clushs!
Isso valia como contrapartida da gordura que comeríamos.
(continua)
terça-feira, 19 de julho de 2011
Ainda mais comemoração
Hirondino da Paixão Fernandes vive, atualmente, em Bragança, Portugal. Antes, vivia em Coimbra.
É considerado «o estudioso e erudito que mais tem contribuído, no nosso tempo, para a salvaguarda da memória escrita desta terra [Bragança], oferecendo-lhe o seu labor incansável de investigador, continuando na senda da pesquisa histórica, a tradição dos grandes vultos da nossa referência cultural».
Tenho a alegria de ser seu primo, ainda que não o conheça pessoalmente. Na verdade, ele é primo de meu pai. Portanto primo meu, em segundo grau.
Hirondino completou, em 07 de junho deste ano, 80 anos.
Parabéns!
quarta-feira, 13 de julho de 2011
Critérios
O jogador de futebol entra no restaurante sofisticado.
Ao fazer o pedido, o garçom lhe sugere:
- Temos um vinho espanhol muito bom. Reserva!
- Tá bom. Mas traz aí o titular.
terça-feira, 12 de julho de 2011
Mais comemoração
Quinta-feira próxima o professor Hélio Guerra completa 81 anos.
Helinho, como nós, seus alunos, o chamávamos (apenas entre nós, claro), era diretor (penso que o cargo era esse) do Departamento de Engenharia Elétrica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) na época em que eu terminava meu sofrido curso de engenharia eletrônica.
Corria o ano de 1.967.
Nas férias do meio de ano eu já estava convencido de nada ter a ver com engenharia e começara a estudar para o vestibular de Filosofia na mesma Universidade (USP).
Pensei seriamente em abandonar o curso. Colegas mais sensatos (naquela época, não era nada difícil ser mais sensato do que eu.) (Eu disse naquela época?!) me lembraram de que não fazia sentido abandonar quatro anos e meio de esforços quando faltava apenas um semestre para obter o diploma de engenheiro.
Continuei o curso, tendo de – para isso – fazer um esforço enorme.
Ao final, passados todos os exames, restou um exame oral de Televisão, no qual eu precisava tirar 2 ou 2,5 (num total de 10), não me lembro exatamente.
Percebi que não me restavam forças para estudar para esse exame.
Lá por agosto ou setembro, na Poli-USP, costumava-se dar pindura nos professores. Tudo muito civilizado, combinado previamente com eles. Pequenos grupos (5 ou 6) de alunos elegiam um professor e se ofereciam para um jantar na casa do dito cujo.
Alguns colegas e eu escolhemos o Helinho.
Tudo combinado, fomos recebidos – nós e as namoradas – de modo soberbo por ele e esposa, em uma aconchegante casa no Morumbi, São Paulo.
Essa experiência nos aproximou um tantinho do mestre.
Quando me debatia com minha incapacidade de enfrentar aquele exame oral de TV lembrei-me do professor Hélio Guerra. Quem aplicaria o exame era o professor Barradas. Mas Helinho era o chefe. Liguei para ele e solicitei um papo. Convidou-me a visitá-lo. Lá fui eu.
Já instalado em confortável sofá na sala de estar da residência do mestre, expliquei a ele minha situação e propus:
- Professor, preciso de 2( ou 2,5) no exame de TV para terminar meu curso. Minha proposta é: vocês me dão essa nota e eu prometo – solenemente – jamais exercer a profissão de engenheiro eletrônico. Quero apenas um diploma de curso superior.
Hélio Guerra sorriu e sapecou-me uma inevitável lição de moral. Algo na linha:
- Um homem tem de enfrentar os desafios que a vida coloca em seu caminho.
Não consigo reproduzir tudo que ele me disse. Até para não ser injusto com ele.
Apenas me recordo que foi uma repreensão suave mas firme.
Felizmente, a vida me presenteou com amigos incríveis. Sílvio Ursic foi um deles.
Sílvio já havia terminado o curso, com folga. Ofereceu-se para me ensinar as matérias do curso de TV.
Na véspera do exame oral, varámos a madrugada – ele e eu. Ele a ensinar, eu a aprender. Ou melhor, a registar tudo em arquivos temporários que seriam deletados logo obtivesse a nota almejada.
Prova feita, 8,5.
No ano seguinte, em meu aniversário (fevereiro), tocaram a campainha de meu apartamento do Edifício Canadá, rua Maria Antonia, São Paulo. Olhei pelo olho mágico e vi uma imagem colorida.
Ao abrir a porta me deparei com Sílvio Ursic a segurar com os dois braços uma enorme bola de plástico colorido. Era meu presente de aniversário.
Quanto ao professor Antonio Hélio Guerra Vieira, que depois foi até reitor da USP, meus parabéns pelo aniversário, meus votos de longa vida ( o Brasil não pode dar-se ao luxo de perder pessoas da estirpe dele) e a informação:
- Caro professor: apesar de não ter sido brindado com a outorga de uma nota imerecida no exame de TV, continuei firme em minha promessa: jamais me aventurei a exercer a profissão de engenheiro eletrônico.
domingo, 10 de julho de 2011
Comemoração
Enquanto no Brasil imprensa e povo em geral festejam seus ronaldinhos, seus lulas, vou ao Rio hoje comemorar o aniversário de Maurício Matos Peixoto.
Um dos maiores matemáticos que esse país já teve, engenheiro, presidente da Academia Brasileira de Ciências por dez anos, Maurício completou noventa anos em 15 de abril passado em plena atividade mundo afora. A comemoração ficou para hoje por ser a época em que seus filhos e netos têm oportunidade de vir ao Brasil.
Taí um belo motivo de alegria pra compensar minha tristeza por não ter podido, ainda, partir de vez para Portugal.
Parabéns, Maurício!
sábado, 9 de julho de 2011
Despedida
Despeço-me, aos poucos, deste país complexo. Grande em território, pequeno em qualidade humana.
A política atingiu, nos últimos tempos, o nível inimaginável da desfaçatez total. A política, que traduz o povo numa democracia.
O povo tem em seus representantes sua imagem e semelhança. O Congresso Nacional é o espelho da nação. E é o que é.
A educação chegou ao nível zero.
É o salve-se quem puder.
Torço para que alguma coisa mude para melhor, pois deixo aqui parentes queridos: filhos, irmãs, netos, sobrinhos, tios, primos.
E poucos, mas excelentes, amigos.
Mas não vejo luz em final de túnel algum.
sexta-feira, 1 de julho de 2011
Perfil
Nos moldes da tradição oriental, dedicou-se sem limites ao marido. Deu-lhe tudo, até o sustento, quando ele já não mostrava disposição para obtê-lo.
Foi mulher, mãe, mantenedora.
Do lar só lhe cabia esperar encargos.
Restou-lhe o prazer do trabalho.
A submissão caseira tornou-se em mandonismo na empresa.
Recusava objeções, retaliava os discordantes.
Como resultado de seus esforços profissionais, atingiu o mais alto grau da hierarquia.
Morreu a lavar – em um sábado, ao cair da tarde – uma cueca do marido.
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