sexta-feira, 7 de maio de 2010
7 de abril de 2.011
Então. Depois de fazer as contas concluí: meu último dia de trabalho será o dia 7 de abril do ano que vem.
Essa história vem de longe. Aos 15 anos de idade consegui meu primeiro aluno particular de matemática. Ele era aluno de minha mãe no Colégio Canadá, em Santos. Terceira série do Ginásio. Quanto a mim, cursava o primeiro Científico.
O pai do garoto procurou minha mãe pra pedir aulas particulares. Minha mãe não podia dar aulas particulares a seu próprio aluno no Colégio. Sugeriu que eu desse as aulas. Engraçado, isso. Hoje em dia dirão que isso era errado. Eu, filho da professora, dando aulas pro aluno dela?! Naquela época, isso soava normal. Ninguém imaginaria qualquer irregularidade. Simples: o normal era que as pessoas fossem honestas. E minha mãe era. O pai do garoto também. Jamais me passou pela cabeça perguntar a ela o que cairia em uma prova que meu aluno faria. E se eu perguntasse, nem sei o castigo que receberia.
Mas isso foi no tempo em que os animais falavam e as pessoas eram – em regra – honestas.
Meu aluno era filho de um cidadão aposentado, de nível elevado. Não me lembro qual era sua profissão. Desembargador? Médico? Acho que era médico legista. Sei lá. Esqueci.Vivia só, com o filho, em um apartamento na Epitácio Pessoa, Santos, rua paralela à praia, uma quadra de distância do oceano. Era obcecado pelo temor de que sua ex-mulher viesse seqüestrar o filho. Só saía sozinho de casa quando eu chegava para a aula. Recomendava que eu não abrisse a porta do apartamento para ninguém. Aproveitava, então, para dar umas voltinhas enquanto eu servia de cão de guarda e de professor de matemática.
Comecei minha primeira aula, como não poderia deixar de ser, tremendo como vara verde (era como se dizia naquele tempo). Poucos minutos depois de ter começado a aula, o pai – que naquele primeiro dia ainda não se aventurara a sair pra passear – veio me perguntar se podia gravar a aula. Podia, claro. Só não disse a ele o que isso significava para meu sistema nervoso.
Aos poucos, constatei que meu aluno não precisava de aulas particulares. Era excelente aluno. Penso que era o pai que necessitava de um guardião que lhe desse uma hora de folga durante três dias da semana. Cumpri meu papel. Ganhei meus primeiros trocados.
Ao começar a cursar a Escola Politécnica, já órfão de pai, já em São Paulo, já com 18 anos, percebi que viver às custas de minha irmã – que passara a bancar a família – não era lá coisa tão respeitável. Tinha de fazer o que sabia: dar aulas particulares de matemática. Fiz isso ao longo de todo o curso de engenharia. Pelo menos, já não pesava tanto na contabilidade da mana. No último ano, consegui uma promoção: comecei a dar aulas em cursinho para vestibulares.
Fiquei algum tempo nisso. Até querer casar e procurar emprego mais aceitável pelos pais da namorada. Um estagiozinho na Light e pronto: desemboquei no Instituto de Matemática da USP, recém constituído.
Preso, perdi a condição de acadêmico. Virei subversivo recolhido à prisão.
Voltei à USP depois de solto, em condicional.
Por querer ter filhos, resolvi correr pra iniciativa privada, onde se ganhava mais.
Lá fiquei quase 20 anos.
Fui bem sucedido. Tive meus altos e baixos, como quase todo mundo.
Por me perceber sem vocação para empresário, o que seria a evolução natural, refugiei-me no serviço público.
Chego ao final. Que – pra mim – é um início.
Jamais vou me esquecer do dia em que saí de uma aula particular ali perto do Parque do Ibirapuera. Tinha ainda 18 anos. Dirigia o Fusquinha de minha mãe de volta pra casa quando tive o insight. Por ironia, em frente à Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo:
Vou ter de trabalhar a vida toda se quiser comer.
Senti um calafrio percorrer minha espinha.
Fiz exatamente isso durante 50 anos, mais ou menos.
Houve momentos, quando trabalhava na Promon Engenharia, por exemplo, em que levantava de minha mesa, me refugiava no banheiro e chorava violentamente até descarregar toda minha frustração.
Mas, de choro em choro, de riso em riso, criei três filhos maravilhosos e quase transformo esse post em texto de auto-ajuda.
Vou pra Portugal perder meu lugar.
Perder meu lugar e ganhar uma vida sem trabalho, na mais pura vagabundagem.
Falta pouco.
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