quarta-feira, 17 de março de 2010
Salada russa
Lula compara dissidentes cubanos a bandidos paulistas. Glauco, o cartunista, é assassinado e a gente passa a saber que ele era bispo de uma religião centrada no tal de Santo Daime. E, parece, um pouquinho de maconha.
O novo presidente toma posse no Chile e a terra não pára de tremer. Em Pernambuco, também agora se sabe, treme sempre.
Até na minha pacata Bragança, Portugal, bateu – noite dessas – um vento de uns 140 km/h.
Em meio a tudo isso, 2.010 é – para mim – o último ano de trabalho no Brasil. É verdade que comecei a trabalhar aos 15 anos. Certo que foi só um aluno particular de matemática que me forneceu meus primeiros trocados.
Trabalhar, trabalhar, mesmo, só a partir dos dezoito. Daí pra frente não parei mais. Quase cinqüenta anos. Mas, pra contar tempo para aposentadoria, ainda preciso de mais um ano pra chegar aos trinta e cinco. Foram vários anos de trabalho sem qualquer registro. Uma carteira profissional furtada, sem que eu conseguisse recuperar todos os registros contidos nela.
Além disso, houve o tempo de prisão e o tempo imediatamente posterior. Quando fui preso, era contratado pelo Instituto de Matemática e Estatística da USP (IME). Voltei a dar aulas no IME quando saí do presídio Tiradentes. Fiquei lá um ano e meio sem que ninguém se aventurasse a solicitar à Reitoria um novo contrato para mim. Claro, quem fizesse isso ficaria imediatamente queimado. Pelo crime de pedir recontratação de ex-preso político, ainda com os direitos políticos cassados por 10 anos.
Quando pedi contagem de tempo para aposentadoria na USP, me reconheceram o tempo decorrido desde o início de meu contrato até minha prisão.
Entrei com pedido, na Reitoria, para que contassem o restante do tempo. Comprovei tudo direitinho. Disseram-me que reconheceriam o tempo em que estive preso até o final de meu contrato. Quanto ao resto, deveria solicitar à tal Comissão de Anistia.
Ou seja, reconheceram que – por ter sido preso (melhor seria dizer: seqüestrado) – era justo contar o tempo em que estive preso. Bem. Só que apenas até o final de agosto de 1.972, quando venceu meu contrato.
O fato de ter ficado preso até início de 1.973 já não é problema deles. Talvez pensem que fiquei preso por gosto. Sei lá.
E depois de sair da prisão? Dei aulas, fiz cursos de pós-graduação, passei no exame de qualificação para o mestrado, trabalhei na dissertação de mestrado.
Mas, como ninguém teve coragem de sequer pedir minha recontratação (disseram que eu ficasse vivendo de bolsa do CNPq até que viesse a anistia), a Reitoria entende que não tenho direito a nada. Ou melhor, resta-me o direito de solicitar o reconhecimento desse período à Comissão de Anistia.
Fiz isso há mais de 2 anos. Meu processo continua parado no protocolo da Comissão.
Se a tal Comissão reconhecesse o ano e meio em que trabalhei sem registro (além dos últimos meses de prisão) eu já estaria aposentado.
Como já perdi a esperança de que algo aconteça saído dessa Comissão, vou aguardar o início de março de 2.011 para ir embora desse arremedo de país.
Dia desses pensei: não faz sentido ficar angustiado, à espera de que chegue março do ano que vem. Melhor é curtir este ano de trabalho pois será o último. Imagino que, uma vez aposentado, bata vez em quando uma saudadezinha do tempo em que trabalhava. Afinal, foi o que fiz quase a vida toda. Aí, poderei lembrar deste último ano e curtir meus mixed feelings: que bom estar aposentado/que bom ter trabalhado.
Eis senão quando, do nada, nossa cadelinha, ela, a Doga, aparece arrastando as patas traseiras sem poder andar.
Diagnóstico: hérnia de disco.
Depois de alguns dias tristes, com o espectro de ter de sacrificá-la a rondar nossas cabeças, hoje uma especialista garantiu que ela volta a andar em poucos dias.
Começou a fazer acupuntura e parece já demonstrar sinais tênues de recuperação.
Pode parecer incrível, mas – diante disso – tudo mais virou pano de fundo.
Pra recuperar um pouco da alegria da Doga em movimento, lá vai mais um filminho dela a brincar na neve de Bragança:
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