Penso ser importante que as pessoas, nos dias de hoje, saibam que não é assim tão óbvio que Jesus tenha de facto existido.
Bart Ehrman, autor que já citei aqui antes, é dos que advogam a existência histórica de Jesus. Também Paul Verhoeven, em seu excelente Jesus de Nazaré, afirma acreditar que Jesus tenha mesmo existido.
Mas as evidências a respeito da existência de Jesus não são assim tão grandes.
Vou procurar resumir o já resumido texto de Bart Ehrman sobre o assunto (em Quem Jesus foi? Quem Jesus não foi?, pag. 159 - 168):
Talvez a maioria das pessoas pense: afinal, os quatro Evangelhos canónicos contam a vida de Jesus. Isso não basta?
A resposta é não. E por quê? Porque os Evangelhos estão cheios de discrepâncias e foram escritos décadas após o ministério e morte de Jesus, por autores que não testemunharam pessoalmente nenhum dos acontecimentos da vida dele (sobre a autoria dos Evangelhos e dos demais livros do Novo Testamento, falaremos em outro post).
Sobre isso, é conveniente explicitar quais as exigências que os estudiosos gostariam que as fontes de informação sobre eventos e personagens históricos cumprissem.
As fontes devem ser contemporâneas dos acontecimentos que descrevem;
As fontes são melhores quando independentes umas das outras:
Mas elas devem ser coerentes entre si.
Quais as fontes a respeito de Jesus?
Temos várias fontes nos Evangelhos do Novo Testamento. Mas elas foram produzidas entre 35 e 65 anos depois da morte de Jesus por pessoas que não o conheceram, não viram nada do que ele fez e não ouviram nada do que ele ensinou. Pessoas que falavam um idioma diferente do dele (falavam o grego, ele, o aramaico) e viviam em outros países. Não se trata de relatos desinteressados. São narrativas produzidas por cristãos que de facto acreditavam em Jesus. Não são fontes independentes: Mateus e Lucas valeram-se de Marcos. São amplamente inconsistentes, com discrepâncias muitas, inclusive com compreensões divergentes em larga escala sobre quem Jesus era.
É possível utilizar tais fontes, mas é preciso muito cuidado e método.
Há fontes gregas e romanas. Temos muitas fontes gregas e romanas da época: estudiosos de religião, historiadores, filósofos, poetas, cientistas naturais; temos milhares de cartas particulares, inscrições em locais públicos.
Pois bem: Jesus viveu no século I, morreu por volta de 30 d.C.. Ele não é mencionado em nenhuma fonte grega ou romana do século I (até 100 d.C.).
Há uma primeira menção a ele em Plínio (112 d.C.), o jovem, governador de uma província romana. Em carta escrita ao seu imperador (Trajano), ele conta que havia um grupo de pessoas chamadas de cristãs que se reunia ilegalmente; quer saber como lidar com a situação. Ele diz ao imperador que essas pessoas "veneram Cristo como um Deus". É tudo o que diz sobre Jesus.
O historiador romano Tácito, em sua história de Roma (115 d.C.), explica que os cristãos são assim chamados por causa de "Christus (...) que foi executado pelas mãos do procurador Pôncio Pilatos no reinado de Tibério".
Essas duas referências são tudo o que podemos encontrar, nas fontes gregas e romanas, de 30 a 130 d.C..
Há, ainda, o historiador judeu Flávio Josefo, que lá por volta de 90 d.C. escreveu uma história em vinte volumes do povo judeu desde os tempos de Adão e Eva até seus dias. Nessa obra, ele se refere duas vezes a Jesus.
Em uma, ele identifica um homem chamado Tiago como "o irmão de Jesus, que é chamado de Messias".
Em outra, a coisa é mais complicada por terem posteriormente acrescentado trechos ao texto original de Josefo, mas - de qualquer forma - é importante saber que o historiador judeu de maior destaque no século I sabia pelo menos alguma coisa sobre Jesus.
São essas as parcas fontes sobre a existência do Jesus histórico. É pouco. Mas, com método, é possível extrair delas algo provavelmente verdadeiro. Mas isso fica para outro post.
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