quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Formas antigas de amor


Thomas Cahill, em seu excelente The Gifts of the Jews (1.998, tradução portuguesa de 1.999 – A Herança Judaica, editora Contexto), trabalha a tese de nossa total imersão na cultura criada por “uma tribo de nómadas do deserto”.

Para poder criar o fundo sobre o qual construirá sua forma, começa por uma reconstrução da mentalidade primeva, da civilização suméria. E para tanto, faz-nos retroceder pouco mais de cinco milênios, com a criação da escrita e o consequente início da História.

Não é o caso, aqui, de nem mesmo resumir as características da civilização suméria, plantada junto aos rios Tigre e Eufrates, na Mesopotâmia. Fico na Epopeia do herói Gilgamesh. Dele o que se sabe são os fragmentos contidos em pequenas tábuas de argila.
Por exemplo:
Filho de Lugalbanda, Gilgamesh, perfeito em força,
Filho da soberba vaca, a vaca selvagem Ninsun.
Ele é Gilgamesh, perfeito em esplendor,
Que rasgou passagens nas montanhas,
Que era capaz de abrir fossos até nos flancos dos montes,
Que atravessou o oceano,
os vastos mares, até onde o Sol nasce.”

Os deuses criam alguém para enfrentá-lo:
Aruru – a mãe universal - “pega  'num pedaço de barro, lança-o para o campo aberto', onde ele se transforma em 'Enkidu, o guerreiro, filho do silêncio e raio de Ninurta' ”.

Enkidu é o “homem natural”, mais próximo dos animais do que dos humanos. E será por seu envolvimento com a meretriz Shamhat que ele fará a inversão:
As gazelas viram Enkidu e fugiram,
O gado do campo aberto afastava-se do seu corpo.
Porque Enkidu tornara-se suave, o seu corpo estava demasiado limpo.
As suas pernas, que costumavam acompanhar o passo do gado, estavam imóveis.
Enkidu estava diminuído, já não podia correr como antes.
No entanto adquirira discernimento, tornara-se mais sensato.”

Afinal, a luta entre Gilgamesh e Enkidu:
Bateram-se na rua, na praça pública.
Os umbrais das portas tremiam, as paredes vacilavam.”

Um deus interrompe a luta. Gilgamesh faz um discurso que o estado das tabuinhas de argila não permite compreender. Em seguida:
Enkidu, de pé, ouviu-o falar,
Pensou, e então sentou-se, começou a chorar.
Os seus olhos toldaram-se de lágrimas.
Os seus braços penderam, a sua força […]
Então agarraram-se um ao outro,
Abraçaram-se e deram-se as mãos.”.

Gilgamesh e Enkidu, “agora grandes amigos, mais estreitamente unidos do que marido e mulher, tendo jurado defenderem-se um ao outro até à morte (...)”:
"Segura a minha mão, meu amigo, e vamos!
O teu coração em breve arderá por combater; esquece a morte e pensa apenas na vida.”

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