domingo, 18 de outubro de 2009

Cosmogonias


Em La Creación y P.H.Gosse (Otras inquisiciones, pág. 37, Emecé Editores, 1ª edição, 1.960), Jorge Luis Borges discorre sobre a relação entre Criação e o problema do tempo.
Não vou, é claro, reproduzir aqui o texto de Borges.
É preciso, e delicioso, lê-lo.
Borges começa pela aparentemente desimportante questão de se Adão tinha umbigo para enveredar pela causalidade temporal e sua incompatibilidade com a idéia de Criação.
Incompatibilidade que não existe, ao menos na visão de Gosse.
Gosse aceita que o estado do universo em um determinado instante é conseqüência de seu estado em um instante imediatamente anterior.
Assim, ao estado f sucede o estado g, a este sucede o estado h etc etc. Mas antes do, digamos, estado r, uma catástrofe divina pode aniquilar o planeta.
Como diz Borges:
O futuro é inevitável, preciso, mas pode não acontecer.
Da mesma forma, esse tempo causal, infinito para diante e para trás, pode ter sido interrompido em algum ponto no passado pelo evento da Criação.
Mais uma vez Borges (explicando Gosse):
O primeiro instante do tempo coincide com o instante da Criação, como dita Santo Agostinho, mas esse instante comporta não só um infinito futuro mas também um infinito passado. Um passado hipotético, é claro, mas minucioso e fatal. Surge Adão e seus dentes e esqueleto contam 33 anos; surge Adão e ostenta um umbigo, ainda que nenhum cordão umbilical o tenha atado a uma mãe.

Ao final do texto, Borges menciona, ainda, a versão moderna dessas idéias de Gosse, versão proveniente da imaginação de Bertrand Russell:
O planeta foi criado há poucos minutos, provido de uma humanidade que “recorda” um passado ilusório.

Quanto a mim, sempre me intrigou a aparente contradição entre um deus onipotente, onisciente, onipresente, e um deus que zela por minhas dores de cabeça ou me ajuda a marcar um gol em uma partida de futebol entre solteiros e casados.

Talvez da aflição oriunda dessa antinomia, surgiu minha versão da Criação:

Na Cidade dos Deuses, em uma casa assobradada de um bairro da periferia, no amplo quintal dotado de algumas árvores frutíferas, um pé de girassol e algumas galinhas à procura de minhocas, dois deusezinhos brincam a brincadeira predileta da maioria da gurizada da cidade: a criação de mundos.

E bolam um mundo cheio de galáxias. Chegam a detalhar uma Via Láctea, com miríades de estrelas, entre elas um insignificante Sol.
Num dos planetas do Sistema Solar, a Terra, instalam fauna, flora e coroam tudo isso com o Ser Humano.
Quando a brincadeira está a atingir seu ponto melhor, a mãe grita lá do interior da casa:
- Crianças, venham lavar as mãos! O almoço está na mesa.
Os dois deusezinhos largam tudo e correm a matar a fome.
E lá ficamos nós, à mercê das intempéries.

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