segunda-feira, 21 de junho de 2004

Da crueldade das mães



Meu amigo Carlos Alberto, psicanalista de cuja convivência sinto saudade (há um tempão não o vejo), estava a disputar comigo um dia a respeito de qual de nossas mães teria sido a mais cruel.
Calma. Diga-se logo que as duas eram boníssimas com seus filhos. Falávamos de galinhas.
Alto lá. Ambas eram senhoras de reputação ilibada. Conversávamos era sobre galinhas mesmo. Aquelas que fazem cócóricó e botam ovos. E discutíamos as diferentes técnicas que nossas respectivas mães utilizavam para matá-las, aos domingos pela manhã.
Está bom. É preciso explicar tudo a estas novas gerações de usuários/utentes de supermercados. Pensam que as galinhas já nascem aos pedaços, sem penas, lavadinhas e ensacadas em bandejas de isopor revestidas de filmes.
Nem sempre foi assim, filhinhos. Fui criado em Santos, em casa com grande quintal onde conviviam girassóis, caramboleiras e bolas de gude. Toda quinta-feira era dia de feira em nossa rua. Entre outras compras, minha mãe quase sempre incluía uma galinha. Mas era galinha mesmo, inteirinha e vivíssima. A penosa passava a viver em nosso quintal, faustamente instalada, tendo à sua disposição minhocas a granel. Bastava pinçá-las da terra, técnica em que todas eram mestras.
Feliz ou infelizmente, durava pouco a alegria da coitada. Domingo pela manhã, antes de irmos para a igreja, minha mãe descia ao quintal, faca e um prato fundo nas mãos. Prosaica e calmamente, raspava as penas do pescoço da supra mencionada, prendia o corpo da mártir com os pés e serrava-lhe o pescoço, não sem cuidar que o sangue derramasse inteiro no prato (que para tanto servia). De resto, eram os preparativos previsíveis. Ao almoço, saboreávamos a falecida, quase sempre acompanhada de farto macarrão ao sugo.
Já não era assim que procedia a doce genitora de Carlos Alberto. Segundo seu insuspeito relato, sua mãe não se utilizava de faca. Catava o pescoço da infeliz com as duas mãos. Bastava, então, efetuar rotações em sentidos inversos com ambas as mãos, de modo brusco. Pronto. Estava estrangulado o futuro almoço.
Qual das duas era mais benevolente?
(ouvi alguém dizer 'benevolente'?!? Isso é porque não sou galinha)

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