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Agora de manhã, cá em Bragança, o cenário é esse que aí (não) se vê.
Mais ou menos o mesmo de um inverno em São Paulo, 1.963.
Luiz e eu teríamos prova de Cálculo na Cidade Universitária. Era nosso primeiro ano na Escola Politécnica da USP. Quem conduzia o fusquinha era eu. Melhor, tacteava em meio à névoa, a tentar adivinhar o que vinha à frente.
Luiz ainda me perguntou como eu conseguia dirigir sem enxergar quase nada. Comecei a dar-lhe uma explicação quando veio a pancada. Fora um pequeno corte no supercílio de um rapaz que viajava no outro automóvel, também um fusca, nada aconteceu às pessoas envolvidas. Apenas os estragos materiais é que foram grandes.
Além de todos os aborrecimentos que um evento desses acarreta, perdemos a prova de Cálculo.
Dada a falta de gravidade da ocorrência, o inquérito policial descansou em alguma gaveta e parecia que não teria conseqüências.
Mas, quase dez anos adiante, eu perderia mais alguma coisa.
* * *
Dezembro de 1.972. Final de um ano vivido atrás das grades. Por já ter sido condenado e já ter cumprido mais de metade da pena, eu tinha direito à liberdade condicional.
Meu advogado, José Carlos Dias, quis aproveitar o clima de Natal para solicitar minha soltura. Quanto a mim, sonhava sem parar com o passar as festas junto à família, solto no mundão.
Às vésperas do Natal veio a notícia: não iriam soltar-me. Havia a informação de um processo contra mim e seria necessário verificar do que se tratava antes de autorizar minha libertação. Tal verificação só poderia ser feita no início do ano.
Era o processo do acidente de 1.963.
* * *
Só pude respirar o ar da liberdade em 5 de janeiro de 1.973.
Em pleno verão paulistano. Sem névoa.